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“Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância!” (Jo 10,10)
A Igreja no Brasil celebra, de 1º a 8 de outubro, a Semana Nacional da Vida. Trata-se de um momento oportuno para refletirmos sobre nosso papel enquanto cristãos e cristãs na defesa incondicional da vida. Mais do que isso, somos chamados a vivenciar nesse tempo favorável, iniciativas que promovam e fortaleçam a vida em toda sua amplitude. O tema escolhido para o ano de 2023 é “Direito de nascer e ser acolhido em uma família!”. Sim, a vida é um direito inviolável, e sua acolhida no seio da família humana é um valor inegociável para aqueles que seguem o Cristo.
Lembremo-nos das palavras do Catecismo da Igreja Católica: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida” (n. 2270). Se a vida é um dom de Deus, injustiça para com Ele é recusar esse dom e impossibilitá-lo àqueles que ainda não nasceram.
Estejamos atentos! A vida que somos chamados a promover e defender não é um conceito abstrato, ela sempre se manifesta em uma pessoa em carne e osso: uma criança recém-concebida, uma pessoa marginalizada, um paciente solitário e desanimado ou em estado terminal, alguém que perdeu o emprego ou não consegue encontrar outra oportunidade, um migrante recusado ou “guetizado”, a mulher vítima de abuso. A defesa e a proteção da vida nunca podem se reduzir a apenas uma de suas dimensões. Defender a vida das injustiças humanas implica nunca estarmos alheios aos sofrimentos humanos reais, desde a fecundação até a morte natural. A vida tem rosto. A vida tem nome. A vida tem história.
Reflitamos sobre a terrível injustiça promovida pelas campanhas e projetos de descriminalização da prática do aborto em nosso país.
Do mesmo modo, pensemos nas diversas situações de degradação da vida humana. Recordemos como crianças e adolescentes têm suas vidas diminuídas em quantidade e qualidade, vítimas da falta de oportunidades concretas derivadas da falta de acesso à educação de qualidade e de boas oportunidades de inserção na sociedade. Como não se sensibilizar com as crianças vítimas de violência, abuso e exploração sexual em nosso país? Nem precisamos ir tão longe. Os semáforos por onde passamos repletos de crianças condenadas a um futuro repleto de passados, mendigam a atenção de nossas consciências frequentemente ocupadas de nós mesmos. Em todas essas situações, a vida diminuída se revela como um grande aborto social, onde vítimas indefesas gritam na mesma altura das crianças ainda no ventre. A morte de uma vida deve doer tanto em nossas consciências quanto a morte de outra. Entre matar e deixar morrer, muitas vezes, habita a distância de nossa cumplicidade.
Há uma filosofia de matriz africana chamada Ubuntuque tem ensinamentos muito propícios à nossa reflexão. Essa palavra, Ubuntu, numa aproximação para nossa língua, poderia ser traduzida como “humanidade para com os outros”. Uma pessoa com Ubuntu tem consciência de que é afetada quando seus semelhantes são diminuídos, oprimidos. “Uma lesão de um é uma lesão para todos”. Há um adágio muito significativo nessa filosofia: “Eu sou porque nós somos”.
A defesa da vida em sua integralidade só é possível quando nos sentimos membros de uma mesma família.Essa é a acolhida que o tema dessa Semana da Vida em nossa diocese propõe. Só quando nos dispomos a ser uma família acolhedora é que podemos oferecer à vida um lugar de crescimento e multiplicação. O Papa Francisco nos exorta em Fratelli Tutti: “Sonhemos com uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana”.
Todavia, a Semana da Vida não é um momento apenas para denunciarmos. Devemos recordar e valorizar as iniciativas que já existem de promoção da vida em nossa diocese e paróquias. Destaco o incansável e imprescindível trabalho da Pastoral da Criança em nosso país, fruto de uma preocupação latente com o nascimento e cuidado das crianças na primeira infância.Como não destacar também o belíssimo trabalho realizado pelas pastorais sociais, pelos vicentinos, pelas diversas comunidades de apoio e recuperação de dependentes químicos, alcoólicos anônimos, e tantos outros. Lembremo-nos dos cuidados dispensados por tantos asilos e creches, hospitais e orfanatos, casas de acolhida e de passagem, grupos de apoio a mulheres vítimas de violência, pastoral do menor, e uma infinidade de iniciativas onde os cristãos proclamam a defesa da vida em toda sua amplitude. Uma ação concreta derivada dessa Semana deveria ser a nossa participação e apoio mais efetivos nessas atividades. Somos a Igreja da Vida! E não qualquer forma de vida, mas a Vida em Abundância.
Nessa Semana da Vida devemos ainda estender o nosso olhar para a amplitude do conceito vida. É óbvio que em primeiro lugar devemos defender a vida humana. Entretanto, conforme apelo recente do nosso Papa Francisco, devemos também cuidar da vida do planeta(cf. Laudato Sí). Penso na importância de cultivarmos atitudes ecológicas que estejam ao nosso alcance, no contexto de nossas demandas territoriais. Como não se preocupar com a nossa Serra do Japi, tão importante para o equilíbrio ambiental e social de nossa região? Preocupar-se com isso e promover iniciativas pastorais de conscientização e cuidado para com a criação também são atitudes concretas que desejaria ver brotar de nossa Semana da Vida. A terra clama por justiça!
Lutemos para que num país tão injusto e desigual como o nosso, nós nunca desanimemos de recomeçar. Há muitas vidas em jogo diante da nossa atitude ou do nosso silêncio. Respeite, defenda, ame e sirva a vida, toda vida, toda vida humana! Somente neste caminho você encontrará justiça, desenvolvimento, liberdade, paz e felicidade!
E acima de tudo, lembremos: A VIDA PREVALECE! A MORTE NUNCA TERÁ A ÚLTIMA PALAVRA!
Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo Diocesano de Jundiaí