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A missão da Igreja é evangelizar. Jesus confiou a ela a tarefa de anunciar o Reino de Deus nesse mundo. Esse é o desafio que todo cristão assume no dia do seu batismo. Todavia, muitas vezes, podemos nos perder nessa tarefa. As exigências do mundo contemporâneo fazem com que a alegria do Evangelho ceda espaço ao cansaço, inevitavelmente revestido de tristeza. Além disso, trocamos a fecundidade profícua do Reino pela lógica de produtividade, própria de uma sociedade pautada pelo lucro e seus interesses. É necessário compreender que o Evangelho é um convite a permanecermos nos braços do Bom Pastor. Ele há de nos oferecer o descanso no tempo certo e iluminar nosso caminho para que nossas atividades eclesiais sejam verdadeiramente fonte de vida plena.
Vale a pena questionarmos se à frente de nossa missão não estamos sendo guiados pela lógica da produção-resultado. Quando essa dinâmica prevalece, aquilo que se consegue quase sempre é obtido à custa de muito cansaço, tédio e, não raras vezes, tristeza. Trago à luz para essa reflexão a contribuição de Dom François-Xavier Bustillo, Bispo de Ajaccio, na Córsega, da sua belíssima obra literária intitulada: A Vocação do Padre perante as Crises – A Fidelidade Criativa. “A grande tentação dos nossos dias é buscar alinhavar o nosso ministério pastoral a partir do sistema de funcionamento do mundo. Hoje, o motor da nossa sociedade ocidental é impulsionado pelas finanças e pela política; pela lógica do dinheiro e do poder (…) Nessa perspectiva, só os resultados e, obviamente, os bons resultados, é que orientam as nossas escolhas. O motor, a dinâmica é querer ser sempre mais: o mais forte, o mais rico, o mais célebre, o mais influente. Perdeu-se a capacidade de sonhar, de se alegrar, de viver a vida com entusiasmo! O homem moderno está na função, mas esquece a vida: já não encontra tempo para ler, escutar belas músicas, admirar a beleza da natureza. Vive esquecido da possibilidade de elevação e transcendência”.
Nossas comunidades não podem ser lugares de espera de resultados. Não se mede a evangelização quantitativamente, como se faz em uma fábrica ou empresa. A nossa esperança não se reduz a uma expectativa meramente temporal. Quando isso acontece, vivemos em função de um ativismo perigoso e ineficaz. Fatalmente trocamos a alegria da convivência pela tristeza de metas a serem cumpridas. A pessoalidade cede espaço à funcionalidade. O ânimo ao cansaço. Muitos irmãos e irmãs acabam desanimando porque se cansaram de tanto fazer. Na sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco, ao falar da missão, insiste na dimensão pessoal dos encontros (EG 128). Nunca nos esqueçamos de que não somos funcionários. A nossa vocação é existir, viver e vibrar por Deus, com Deus e em Deus. Daí a necessidade de estarmos sempre atentos a não identificar o nosso ser com o nosso fazer. Fazemos tantas coisas! Não é raro ver o desequilíbrio em que a função leva melhor vantagem sobre a unção. Não raramente somos conhecidos pelo “que fazemos” e não pelo modo “como fazemos”. Cuidemos para que a nossa ação pastoral seja mais pautada pela unção do que pela função. Não permitamos que o fazer sufoque o ser. O importante deve vir antes que o urgente em nossa ação evangelizadora. Perante as tentações centrífugas, o Espírito Santo nos conduz permanentemente ao centro, ao essencial. Como nos lembra Dom Bustillo: “nossa vida não deve ser orientada para a produção, mas para a fecundidade”.
Para isso, a missão evangelizadora também deve promover, concomitantemente, a realização humana em todas as suas dimensões. Santidade e felicidade podem caminhar juntas. Por isso, nunca descuidemos da saúde em todos os aspectos, física, psíquica e espiritual. Nossas paróquias precisam ser lugares de saúde e integridade humanas. Os trabalhos pastorais devem estar acompanhados de boa convivência, boas partilhas, bons encontros, regados àquilo que é belo na humanidade: conviver! Como é saudável a vida em comunidade! Quantos momentos de alegria ela pode nos proporcionar! Nela encontramos o equilíbrio perfeito entre a busca de santidade individual que passa, inevitavelmente, pelo outro. Por isso, é na alegria dos encontros proporcionados pela missão e não no muito fazer que vamos nos constituindo como discípulos e discípulas de Jesus. Se a produtividade premia quem fabrica mais e em série, a fecundidade revela pessoas humanas singulares, como um mistério absoluto e irredutível a qualquer definição que o limita por imitar.
Somos únicos! Amados e acolhidos pelo Bom Pastor. A missão evangelizadora nunca pode esquecer que não somos máquinas, mas servidores de um Reino que acontece em nosso meio por ação e graça do Espírito. É n’Ele que encontraremos descanso e refúgio contra a lógica da produção do nosso tempo. Por isso, que a missão evangelizadora nunca se esqueça da oração, lugar de encontro pacificador com Aquele que nos chamou. Quando o “fazer” se torna meta da vida da Igreja, a comunicação plena que a oração proporciona é deixada de lado. E se falta a oração, falta tudo. Falamos mais de nós do que do Senhor que nos enviou. Cuidemos de permitir que espiritualidade nos reconcilie com nossa missão. Troquemos o “fazer por Ele” pelo “estar com Ele”. Encontremos no peito aberto do Senhor o descanso para nossa ação. E, juntos, sem menosprezar Marta, aprenderemos como Maria a estar aos pés do Senhor e a escolher a melhor parte.
Por: Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo Diocesano de Jundiaí