O Aroma que Permanece.

Um Olhar Contemplativo sobre a Páscoa de Dom José Moreira de Melo, Bispo Emérito da Diocese de Itapeva, SP

“Não te aflijas com a pétala que voa: também é ser, deixar de ser assim.”
Cecília Meireles

Existem vidas que se assemelham a jardins. Vidas que, mesmo no outono de sua existência terrena, continuam a exalar um perfume que o vento não dissipa. A partida de Dom José Moreira de Melo, nosso bispo emérito de Itapeva, é como a queda de uma pétala, um desfolhar-se silencioso que nos convida não ao desespero da ausência, mas à contemplação do mistério. A morte, para os que creem, não é um ponto final, mas uma vírgula na narrativa do eterno; uma passagem, uma Páscoa que desvela a plenitude de um amor que nunca se apaga.

Nascido nas terras mineiras de Patrocínio, Dom José trouxe consigo a sobriedade das montanhas e a profundidade dos rios de sua terra natal. Sua jornada, iniciada com a ordenação presbiteral em 1968, floresceu plenamente quando chegou a nós, em Itapeva, no ano de 1996. Por vinte anos, ele foi o nosso pastor, o quinto bispo a guiar esta porção do povo de Deus. Seu lema episcopal, “Solidariedade para evangelizar”, não foi apenas uma frase de efeito, mas a bússola que orientou cada um de seus passos, cada decisão, cada olhar lançado sobre o rebanho que lhe foi confiado.

Seu ministério foi marcado por uma dedicação persistente à edificação da Igreja no sudoeste paulista. Ele não construiu apenas edifícios, mas tentou edificar pontes. Pontes entre as pessoas, entre as pastorais, entre a Igreja e a sociedade. Queria que os cristãos católicos da sua diocese pudessem ter um coração que pulsasse no mesmo ritmo das alegrias e esperanças, das tristezas e angústias dos homens e mulheres de seu tempo, especialmente dos mais simples.

Ao meditar sobre a vida de um pastor como Dom José, ressoa em nós a palavra do Apóstolo Paulo, que ele mesmo tanto amava: “Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro” (Fl 1,21). Esta perícope reflete a tensão de quem ama apaixonadamente. Paulo se via “pressionado entre duas coisas”: o desejo de partir para estar com Cristo e a necessidade de permanecer para o bem da comunidade. Dom José viveu essa mesma e santa tensão. Seu coração ardia pelo encontro definitivo com o Senhor, mas seus pés permaneciam firmes no chão da missão, gastando-se sem reservas pela Igreja que amava como corpo vivo de Cristo.

Essa liberdade interior, essa santa indiferença entre viver e morrer, não nasce da resignação ou do cansaço, mas de um amor que transborda. É o amor que nos despoja de nós mesmos e nos faz encontrar alegria não na autorrealização, mas na doação. É o amor que, como nos versos de Cecília Meireles, nos ensina a não temer o fim:
“Tu tens um medo: acabar. Não vês que tudo em ti principia sempre? (…) Que morrerás por idades imensas, até não teres medo de morrer. E então serás eterno.”

Dom José tornou-se eterno não porque a morte o poupou, mas porque ele a abraçou como um ato final de entrega, como o grão de trigo que cai na terra para dar muito fruto. O coágulo que o acometeu em seus últimos dias foi como um selo final em uma vida gasta, uma última partilha de sua fragilidade humana — ele, que sempre foi solidário com os frágeis.

Agora, no silêncio que se segue à sua partida, somos chamados a ser guardiões de sua memória. Não uma memória nostálgica que aprisiona no passado, mas uma memória agradecida que se torna semente de futuro. Como nos lembra a sabedoria poética de Adélia Prado, “o que a memória ama, fica eterno”. O que amamos em Dom José – sua serenidade, sua firmeza pastoral, sua fala mansa, seu silêncio contemplativo – permanece conosco, como um aroma que impregna o jardim de nossa diocese.

Ele, que tanto se dedicou a consolidar nossa Igreja particular, agora a contempla da janela do céu. A pétala voou, mas o perfume ficou. E, como no poema, ele nos ensina sua última lição:
“Eu deixo aroma até nos meus espinhos, ao longe, o vento vai falando em mim.”

Que o vento do Espírito Santo continue a soprar sobre nós, trazendo o bom perfume de Cristo que emanava da vida e do ministério de Dom José Moreira de Melo. E que, ao olharmos para o nosso jardim, vejamos não a ausência da flor que partiu, mas a beleza perene da rosa que, mesmo desfolhada, continua a nos falar de amor, de serviço e de eternidade.

Dom José, descanse em paz!


Dom Eduardo Malaspina
Bispo da Diocese de Itapeva, SP