O Natal do Senhor e a renovação da esperança
O final do ano reserva a festa do Natal de Jesus Cristo, amplamente acolhida e vivenciada pelas pessoas em geral. Entretanto, não seja esquecido que os bons influxos dessa festa inspiradora de união e paz têm seu respaldo no profundo mistério da fé cristã, ou seja, na vinda do Verbo Eterno do Pai, que se faz carne e vem habitar entre nós. Evidentemente, sem a sensibilidade da fé cristã, é praticamente impossível contemplar Deus conosco, no Menino nascido na pequena Belém, envolto em panos e apresentado aos olhos de toda a criação sobre uma manjedoura.
Aos incrédulos, diante de tal narrativa, é oportuno lembrar que Deus veio concretamente ao mundo criado por Ele pela via da humildade, em respeito à liberdade humana, para participar da experiência humana, com exceção do pecado. Assim, pôde nos encontrar sem causar constrangimento, falar e ser ouvido, tocar e curar nossas feridas, amenizar sofrimentos e vencer todas as formas de morte, com a doação de sua vida pela salvação e redenção do gênero humano.
Deste modo, veio se tornar a esperança que os nossos corações anseiam, a esperança que não decepciona. Pois o recém-nascido, oferecido pelas mãos maternais de Maria Santíssima, como vemos nos relatos bíblicos, dissipa as trevas com luz celeste, leva alegria aos marginalizados, a exemplo dos pastores que, por isso, acorrem ao vilarejo de Belém, atrai magos distantes para encontrar e reverenciar algo inédito na história, ao contrário de Herodes, que, fechado em sua soberba, não se nutriu daquele sinal benfazejo vindo dos céus.
A liturgia e a tradição da Igreja nos recordam que a Encarnação do Filho de Deus entre nós não foi um momento isolado do passado, mas um sinal perpétuo de esperança para o presente e o futuro. Ainda hoje, onde a luz de Cristo é acolhida, a escuridão da desesperança se dissipa e dá lugar à mesma alegria experimentada pelos pastores e almejada por todos nós. Essa Boa Nova traz à nossa existência a promessa de vida nova, a força para recomeçar, a justiça para se avançar na fraternidade e a paz para as relações em todos os âmbitos.
Entretanto, na lógica da humildade perceptível na vinda de Deus entre nós, é importante o olhar para as fragilidades da vida desde a sua concepção até o seu fim natural, e o empenho de todos os atores sociais para superá-las. Há entre nós pobres, doentes, idosos, crianças e jovens que requerem melhores respostas às suas situações de vulnerabilidade. É inadiável o enfrentamento de outros desafios, como a violência que se dissemina e assusta, e o cuidado da Casa Comum, esta às voltas com entraves econômicos. O trabalho, essencial para a vida digna, tem sido uma dificuldade para um número expressivo de trabalhadores, pela constante mutação de sua configuração, diminuição de postos e recuo de direitos trabalhistas.
Por fim, o Menino Jesus vem propor relações concretas, presenciais e pautadas pelo diálogo sincero e verdadeiro, permeado pelo amor, ofertado gratuitamente por Ele a nós. Assim, a verdadeira esperança nasce no presépio e impulsiona-nos ao amor concreto pelos irmãos e irmãs, especialmente os mais sofridos e esquecidos. Ele, Deus de Deus, se faz pobre e humilde para nos ensinar e purificar nossa sensibilidade, a fim de sermos presença terna e solidária para com os mais fracos da família humana. E, com essa atitude, não nos curvemos à proposta de fechamento individualista que perpassa a cultura atualmente.
Assim sendo, o Natal de Jesus Cristo é um momento propício para o recolhimento em oração, cultivar a espiritualidade, muitas vezes relegada a segundo plano, para o encontro familiar com reconciliação e renovação da confiança em Deus, que vem ao nosso encontro para nos salvar. Que a alegria e a paz proporcionadas pelo Menino apresentado sobre a manjedoura nos impulsionem a irradiar a esperança com ações concretas, para que ela seja uma constante na nossa caminhada pessoal, comunitária e social.
Que a celebração deste Natal do Senhor resgate em todos a certeza de que, onde Deus nasce, haverá sempre a esperança que não decepciona, sobretudo onde se desafiam a justiça e a vida. E que a alegria e a paz, que emanam espontaneamente do Menino Deus, sejam uma constante nos ambientes de nossas vidas cotidianas, pois o Salvador já se encontra entre nós, como ecoa fortemente da humilde Belém.
Texto: Dom Luiz Carlos Dias, Bispo de São Carlos e Vice-Presidente do Regional Sul 1 da CNBB.


