O Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba, foi o cenário do Encontro Estadual da Campanha da Fraternidade 2026, promovido pelo Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre os dias 7 e 9 de novembro. O encontro reuniu leigos, religiosos, religiosas e membros do clero de todo o Estado de São Paulo, com o propósito de refletir, iluminar e propor ações concretas que fortaleçam o compromisso cristão com a justiça social e o bem comum — especialmente o direito à moradia digna.

Há um lugar no banco da praça, onde dorme o Cristo abandonado

Por Claudio Vieira

A Campanha da Fraternidade 2026 traz como tema “Fraternidade e Moradia” e como lema “Ele veio morar entre nós” (Jo 1,14). A iniciativa busca promover a moradia como um direito fundamental, conscientizando a sociedade e a comunidade cristã sobre a urgência de garantir habitação adequada a todos. Durante o encontro, os participantes tiveram acesso a subsídios, projetos e materiais que serão levados às equipes diocesanas. A proposta é que, na Páscoa de 2026 — tempo de celebração da ressurreição de Cristo —, as comunidades possam renovar atitudes e compromissos pastorais em favor da moradia digna para todas as pessoas.

O evento também contou com momentos de espiritualidade. Em oração e sob a intercessão de Maria, os participantes rezaram o terço, pedindo pelos que sofrem com a falta de moradia, saúde e alimentação. O sábado começou com chuva, trazendo um clima de acolhida. Durante a celebração eucarística, as velas da Menorá foram acesas, simbolizando a luz da fé que guia o compromisso cristão por um mundo mais justo e solidário.

Inspirados pela passagem bíblica “Ele veio morar entre nós” (Jo 1,14), os presentes acompanharam um painel sobre a situação da moradia em São Paulo e no Brasil, conduzido pela urbanista e pesquisadora professora Ermínia Maricato. Ela destacou que “lutar por moradia é um problema invisível, mas não inexistente” e defendeu o engajamento dos movimentos sociais e eclesiais na busca por soluções concretas. Maricato lembrou que a moradia é “porta de entrada para o acesso a outros direitos fundamentais”.

Na parte da tarde, o foco voltou-se para a luz da Palavra de Deus. Os biblistas pe. Antônio Carlos Frizzo e pe. Leonardo Henrique da Silva, ambos da Diocese de Guarulhos, apresentaram reflexões bíblicas e patrísticas sobre a presença do tema da moradia e da solidariedade com os necessitados nas Escrituras e nos escritos dos primeiros padres da Igreja.

Nas narrativas bíblicas, padre Frizzo salientou a importância de reconhecer o caminho já percorrido:
“Não estamos começando agora; há um caminho que foi trilhado e que somos chamados a continuar.”

Padre Leonardo complementou:
“O estrangeiro e o emigrado também não faltam. Por toda parte veem-se mãos estendidas buscando auxílio. Para eles, casa é o ar livre.”
Ele reforçou que o tema da Campanha da Fraternidade não é novo, mas parte da história religiosa cristã, presente desde os primórdios da Igreja.

O agir foi colocado como urgência profética por Evaniza Lopes Rodrigues, militante de movimentos de moradia e redatora do Texto-base 2026. Ela provocou os presentes com a pergunta:
“Onde estão os mais pobres?”
E completou:
“É preciso fomentar a organização onde ela já existe e ajudar a estruturá-la em novos lugares.”

Ao final, os participantes retornaram às suas comunidades levando ânimo, fé e o desejo de construir uma nova moradia — uma casa comum — onde todos sejam acolhidos.


Entrevista — Claudio Vieira

De que forma este encontro ajudou na preparação para a Campanha da Fraternidade 2026?

Este encontro presencial motiva e anima coordenadores, assessores eclesiásticos e leigos de nossas 43 dioceses. Além de oferecer a oportunidade de dialogar com quem construiu o texto-base nacional, permite compreender os desafios do Estado de São Paulo e, ao partilhar experiências, pensar o trabalho local.

Como a reflexão sobre moradia pode fortalecer o compromisso social da Igreja?

Como diz Lumen Gentium, Jesus Cristo é a resposta e solução da problemática humana. O texto conciliar ainda observa que a interdependência, cada vez mais estreita e universal, implica direitos e deveres que dizem respeito a todo o gênero humano. A moradia é porta de entrada de todos os direitos. É olhar a situação de hoje com um olhar cristocêntrico.
“É necessário, portanto, tornar acessíveis ao homem todas as coisas de que necessita para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, casa…” (LG, 26)

Qual mensagem você gostaria de deixar para incentivar outras pessoas a participarem da CF 2026?

A Campanha da Fraternidade é, todos os anos, um grande exercício de sinodalidade e de pastoral de conjunto, ao integrar pessoas de todos os movimentos, pastorais e associações em um processo de conversão pastoral. É um convite à mudança de olhar sobre as necessidades de todos e de cada um que convive conosco.


Participante — Luigi Bertoncini (Diocese de São José dos Campos)

Que contribuições sua diocese pode oferecer para esta temática?

A temática lança luz sobre a moradia digna como componente essencial da dignidade humana e da vivência cristã, colocando-a no centro da reflexão e da ação pastoral. Entre as contribuições, destaca-se o desenvolvimento de ações e sensibilizações para a criação de uma Pastoral da Moradia.

Quais desafios apareceram com mais força durante as discussões?

  1. A moradia como direito negado – O desafio é transformar esse problema social em compromisso pastoral, indo além da caridade imediata e buscando ações estruturais.

  2. Especulação imobiliária e desigualdade urbana – A Igreja é chamada a posicionar-se profeticamente diante da lógica que transforma moradia em mercadoria.

  3. Indiferença social e falta de empatia – A CF 2026 convida à conversão: perceber que “Deus veio morar entre nós” exige solidariedade com quem não tem onde morar.

  4. Falta de articulação entre fé e vida – É necessário unir evangelização e compromisso social, tornando a pastoral presença ativa no território.

  5. Limitações de estrutura e continuidade – Há necessidade de planejamento pastoral consistente, com acompanhamento e parcerias (prefeituras, movimentos populares, ONGs).

  6. Resistência à participação em políticas públicas – É preciso formar leigos que compreendam a fé também como compromisso cidadão.

  7. Testemunho profético da Igreja – O desafio é fazer de nossas comunidades “casas abertas”, que acolhem, escutam e se comprometem com os que sofrem.

Qual mensagem você gostaria de deixar para incentivar outras pessoas a participarem da CF 2026?

A Quaresma é tempo propício para evangelizar e levar as pessoas à reflexão sobre sua vida e sua salvação. Nossa fé passa pelo compromisso de amar o outro, especialmente o mais necessitado. O exercício da CF ajuda a construir um mundo melhor e mais justo. É necessário viver a Quaresma com austeridade, mas também com um olhar de compaixão por quem sofre.