Quando eu era adolescente ouvia com frequência uma piadinha idiota. Ao pedir ajuda ou alguma opinião diante de uma situação mais complicada o gaiato cinicamente me aconselhava com a maior seriedade possível: “Faz o que fez Tomé de Sousa o primeiro Governador Geral do Brasil”. Daí todos nós colocávamos rapidamente o cérebro a funcionar para encontrar alguma resposta inteligente. Depois de alguns minutos de silêncio o gaiato respondia: “Tomé de Sousa fez o que pode!”.
De fato, só podemos fazer o que é possível, pois o impossível cabe a Deus. Somente para Deus tudo é possível, para nós há situações e problemas que estão acima das nossas forças. A nossa fé implica também a confiança total no Senhor, sabendo que Ele nos ilumina e nos fortalece na luta da vida. Há aqui uma grande tentação da sociedade atual que é querer resolver sozinha todos os problemas individuais e sociais. O homem atual sente-se senhor e deus de si mesmo e da humanidade. Uma das consequências disso é a inevitável luta entre deusinhos, um querendo destruir o outro, um deus querendo mostrar que é mais forte e poderoso que o outro. É a lei da selva. Obviamente aumenta a violência de todo tipo: física, verbal, psicológica, violência sexual, violência cultural, guerra econômica e, pasmemo-nos, até violência religiosa ou a terrível e poderosa violência da consciência.
Colocando-se o homem no lugar de Deus, teremos, além da violenta competição desenfreada, ao fim e ao cabo teremos o resultado final que será o desencanto, cansaço e a tristeza. Todo ídolo que quer tomar o lugar de Deus, mais cedo ou mais tarde, fatalmente cairá do seu pedestal.
Por outro lado, tudo aquilo que podemos fazer por nós mesmos (sozinhos ou em grupo), Deus não o faz. Deus não compactua com a preguiça ou com o nosso comodismo. Chama-se pecado de omissão o bem que podemos fazer e não o fazemos. Em geral não fazemos o bem possível por dois motivos: covardia e comodismo. Covardia diante da possibilidade de fracassar ao tentar fazer o bem e ser julgado pelas pessoas e por si mesmo. Comodismo porque é muito mais fácil ficar sentado no sofá!
Por outro lado, a mentalidade atual, endeusando o homem e ignorando a Deus, exige das pessoas que, sozinhas ou em sociedade, resolvam e enfrentem a misteriosa luta da vida e construam a história. Como todo ser humano é fraco, frágil e limitado, todos vão experimentar fracassos e perdas. Muitos ficam deprimidos e desanimados.
Para nós que cremos vale a regra de Santo Inácio de Loyola: “Devemos fazer tudo como se tudo dependesse de nós, sabendo, porém, que tudo depende de Deus”.
O cristão não age com o heroísmo orgulhoso e nem se abate covardemente diante das derrotas. Alguns, na sua orgulhosa mania de grandeza, gostariam de caminhar na vida fazendo o bem como se fossem um herói grego vencendo gloriosamente todas as batalhas e obstáculos. Jesus na sua vida simples e humilde e, sobretudo, na sua caminhada até a cruz não se assemelha em nada a um herói da mitologia grega. O Papa Francisco nos recorda que tem grande valor diante de Deus o pequeno e sofrido passo que podemos dar. O simples desejo de ser bom e fazer o bem, mesmo quando não conseguimos realizá-lo, tem já o seu valor diante do amor misericordioso do Pai.
Enfim, Deus olha mais a sinceridade do nosso coração do que as nossas qualidades ou as “grandes” obras que imaginamos realizar. Não podemos medir as coisas de Deus com a mesma régua humana. A medição dos frutos e resultados das coisas de Deus pertencem a Deus e não a nós. Aliás, não temos instrumental capaz de fazer essa medição. Por isso, Jesus nos disse que não cabe a nós separar agora o trigo do joio, pois isso pertence aos anjos no final do mundo. (Mt13,41). Também para moderar nosso orgulho Ele nos ensinou: “Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis; fizemos somente o que devíamos fazer” (Lc17,10).
Por Dom Sevilha, ocd, bispo de Bauru
- 25/06/2018
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