Dias atrás, falou-se na imprensa e em alguns ambientes eclesiais de uma eventual nova reforma da Liturgia na Igreja. Propagou-se que os sacerdotes deveriam celebrar novamente a Missa voltados “ad Orientem” (para o Oriente), que significa que deveriam celebrar voltados para a parede, em vez de voltados para o povo, como se fazia antes da reforma do Concílio Vaticano II. Além disso, a santa Comunhão deveria ser recebida ajoelhados e diretamente sobre a língua.
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A questão surgiu depois de uma recomendação, aos sacerdotes, do cardeal Roberto Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, na abertura de um encontro sobre Liturgia, em Londres. Não se tratou de um ato oficial da Santa Sé, mas de um desejo do Cardeal, preocupado com o significado da liturgia do Advento; por ser ele o encarregado do Papa para a Liturgia em toda a Igreja, sua palavra foi tomada por alguns como se já fosse uma decisão da Santa Sé, com o aval do Papa.
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Sem demora, acaloradas discussões sobre uma suposta “reforma da reforma litúrgica” tomaram conta de alguns setores eclesiais; para alguns, seria necessário rever a reforma litúrgica promovida pelo Concílio, nas diretrizes da Constituição Sacrosanctum Concilium (1963). Isso significaria, na prática, voltar à maneira de celebrar a Liturgia antes do Concílio Vaticano II; motivos para tal revisão seriam a “intocabilidade” das normas litúrgicas anteriores ao Concílio, os abusos e a “dessacralização” das celebrações litúrgicas, supostamente causados pelas reformas conciliares.
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Depressa, porém, a questão foi esclarecida durante uma audiência do cardeal Sarah com o Papa Francisco; e, no dia 11 de julho, o Padre Lombardi, porta-voz da Santa Sé, emitiu um Comunicado oficial, com “alguns esclarecimentos sobre a celebração da Missa”. Com suas palavras, o cardeal Sarah não estava anunciando orientações diversas daquelas atualmente vigentes nas normas litúrgicas e nas palavras do próprio Papa sobre a celebração “de frente para o povo” e sobre o rito ordinário da Missa.
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O Comunicado recorda as normas da Instrução Geral do Missal Romano, relativas à celebração eucarística: “O altar-mor seja erigido separado da parede, para ser facilmente circundável e para que nele se possa celebrar de frente para o povo, como convém fazer em toda parte onde isso for possível. O altar ocupe um lugar que seja, de fato, o centro para onde se volte espontaneamente a atenção de toda a assembleia dos fiéis. Normalmente, seja fixo e dedicado” (nº 299).
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No Comunicado, ficou claro que não está em andamento nenhuma “reforma da reforma da Liturgia”. E até se recomendou que seja evitado o emprego da expressão “reforma da reforma litúrgica”, que pode induzir a equívocos sobre a validade da disciplina litúrgica vigente na Igreja.
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Resolvida a questão, vale lembrar, no entanto, que a reforma promovida pelo Concílio não autoriza nem avaliza cometer abusos na Liturgia. A disciplina litúrgica é regulada pelo Magistério da Igreja; e, sem prejuízo da criatividade, das liberdades e alternativas previstas nos ritos, ninguém está autorizado, por iniciativa própria, a mudar a forma das celebrações e as normas litúrgicas prescritas. Mas a reforma do Concílio também supõe e requer uma contínua e adequada formação litúrgica do povo de Deus.
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O critério fundamental da reforma litúrgica do Concílio é que “todos os fiéis sejam levados àquela plena, cônscia e ativa participação das celebrações litúrgicas, que a própria natureza da Liturgia exige e à qual, por força do Batismo, o povo cristão (…) tem direito e obrigação” (SC 14). A atenção e fidelidade criteriosa às normas litúrgicas deve sempre ter em vista essa “participação plena, consciente e ativa” dos fiéis nas celebrações da Liturgia, para que possam receber os abundantes frutos dos sagrados Mistérios celebrados.
Quanto à maneira de comungar, os fiéis têm a liberdade de receber a sagrada Comunhão na mão ou, diretamente, na boca; também podem recebê-la de joelhos, ou em pé. O que importa, mais que tudo, é que a recebam com fé, a fé da Igreja no Sacramento da Eucaristia, e com aquela dignidade interior e devoção exterior que convém à Eucaristia.
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 Por Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo metropolitano de São Paulo
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Publicado no Jornal O SÃO PAULO  edição 3111 – De 20 a 27 de julho de 2016.